
Além do Bem e do Mal nasceu de reflexões e anotações de Nietzsche, durante a composição de Assim Falou Zaratustra, e inicia uma nova fase literário-filosófica do autor, a sua fase de negação e destruição. Ele é em um tom mais crítico e denso, contrastando com os seus livros anteriores, como "Humano, Demasiado Humano", "Aurora" e "A Gaia Ciência", os quais foram escritos em um tom de leveza e serenidade.
GAIA CIÊNCIA

Excertos de A Gaia Ciência
A minha felicidade
"Desde que me cansei de procurar,
aprendi a encontrar;
Desde que o vento começou a soprar-me na face,
velejo com todos os ventos."
"A educação consiste no condicionamento de um indivíduo, através da promessa de várias compensações e vantagens, de modo a que ele adopte um modo de pensar e se comportar que, logo que se tornem um hábito, instinto ou paixão, os dominarão «para o bem geral» mas, em última instância, para sua própria desvantagem. Somos vítimas das nossas virtudes, que nos transformam numa mera função do todo social." (21)
"Muitas vezes consideramos uma ideia mais verdadeira apenas porque há qualquer coisa de muito belo e divino no ritmo e na forma métrica do seu enunciado. Não é divertido notar que os filósofos mais sérios, por mais rigorosos que sejam na sua busca da certeza, citam frequentemente as palavras dos poetas para dar às suas ideias mais força e credibilidade ? E, no entanto, é mais perigoso para uma verdade se um poeta concorda com ela do que se ele a contradiz! Porque, como dizia Homero, 'muitas mentiras contam os poetas'." (84)
"O que é a originalidade ? É ver qualquer coisa que ainda não tem nome e que, por isso, não pode ainda ser mencionada, embora esteja mesmo à frente dos olhos de toda a gente. A maioria das pessoas não consegue ver aquilo que não tem um nome. As pessoas originais são as que já deram (ou têm capacidade para dar) nomes às coisas." (261)
"Um pensador é alguém que sabe como tornar as coisas mais simples do que aquilo que elas são na realidade." (189)
"Os pensamentos são as sombras dos nossos sentimentos - sempre mais escuros, mais vazios e mais simples." (179)
"O egoísmo é a lei da perspectiva aplicada aos sentimentos: o que está mais próximo parece-nos maior e mais pesado e, à medida que nos afastamos, o seu tamanho e peso diminuem." (162)
"Tabela da multiplicação. - Um está sempre errado, mas com dois, começa a surgir a verdade. Um não consegue provar o seu caso, mas dois são irrefutáveis." (260)
"Onde começa o bem e acaba o mal ? O reino da bondade começa onde a nossa imperfeita percepção deixa de notar o «impulso do mal» porque se tornou demasiado subtil; a partir desse ponto, o sentimento de que entramos no reino da bondade excita os nossos impulsos que se sentem ameaçados e limitados pelos «impulsos do mal»: os sentimentos de segurança, de conforto, de benevolência. Quanto mais imperfeita for a nossa percepção, maior será a extensão do bem. É por isso que as crianças e pessoas comuns gozam de uma eterna boa disposição e também por essa razão que os grandes pensadores sofrem sempre de uma melancolia semelhante à de uma má consciência." (53)
"Em que é que eu acredito ? Acredito que os pesos de todas as coisas têm que ser novamente determinados." (269)
"O que é ser livre ? É não termos vergonha de sermos quem somos." (275)
"Causa e efeito. Dizemos que a ciência «explica», mas, na realidade, apenas «descreve». Descrevemos hoje melhor, mas explicamos tão pouco quanto todos os nossos predecessores. Descobrimos uma sucessão múltipla onde o homem ingénuo e o investigador das civilizações mais antigas se apercebia apenas de duas coisas: 'causa' e 'efeito', como se costumava dizer. E deduzimos: isto e isto tem de se dar primeiro para que depois se siga aquilo - mas, com isso, não compreendemos absolutamente nada. Em qualquer processo químico, por exemplo, as transformações continuam, tal como antes, a aparecer como um «milagre». E como haveríamos nós de conseguir explicá-las? Operamos unicamente com coisas que não existem, com linhas, com superfícies, corpos, átomos, tempos divisíveis, espaços divisíveis! Como seria possível sequer uma explicação, se traduzimos tudo primeiro numa imagem, na nossa própria imagem! Na verdade, temos à nossa frente um continuum, de que isolamos algumas partes, da mesma maneira que, num movimento, nos apercebemos apenas de pontos isolados e, portanto, não vemos, na realidade, esse movimento, mas deduzimos que existe. Um intelecto que visse a causa e o efeito como um continuum, e não, à nossa maneira, como parcelamento e fragmentação arbitrários, que visse o curso do acontecer, repudiaria o conceito de causa e efeito e negaria toda a condicionalidade." (112)
"A origem do nosso conceito de conhecimento. Que entende o povo verdadeiramente por conhecimento? Só isto: algo de estranho deve ser transformado em algo de familiar. E para nós, os filósofos, não é a nossa necessidade de conhecimento a mesma necessidade do que é conhecido, a vontade de, no meio de tudo o que é estranho, fora do usual e duvidoso descobrir algo que já não nos perturbe? Não será o instinto do medo que nos obriga a conhecer? Quando os que buscam o conhecimento reencontram algo nas coisas, sob as coisas ou por trás das coisas, que já é muito conhecido, como, por exemplo, a tabuada, ou a lógica, ou as nossas vontades e apetites, que felizes ficam logo! Porque «o que é familiar é conhecido», e nisso estão de acordo. Mesmo os mais cuidadosos entre eles acham que o que é familiar é pelo menos mais facilmente conhecido do que o que é estranho. Erro dos erros! O que é conhecido é habitual; e o habitual é o mais difícil de 'conhecer', isto é, de ver como problema, isto é, de ver como estranho, afastado, 'fora de nós'..." (355)
O ANTICRISTO

"Este livro é para os espíritos livres, pois só estes o compreenderão"
Concepção Nietzscheana de Niilismo
Niilismo-passivo - Segundo Nietzsche, o niilismo passivo, ou niilismo incompleto, podia ser considerado uma evolução do indivíduo, mas jamais uma transvaloração de valores, i.e., mudança nos valores. Através do anarquismo ou socialismo compreende-se um avanço; porém, os valores demolidos darão lugar para novos valores. É a negação do desperdício da força vital na esperança vã de uma recompensa ou de um sentido para a vida; opondo-se frontalmente a autores socráticos e, obviamente, à moral cristã, nega que a vida deva ser regida por qualquer tipo de padrão moral tendo em vista um mundo superior, pois isso faz com que o homem minta a si próprio, falsifique-se, enquanto vive a vida fixado numa mentira. Assim no niilismo não se promove a criação de qualquer tipo de valores, já que ela é considerada uma atitude negativa.
Niilismo-ativo - ou niilismo-completo, é onde Nietzsche se coloca, considerando-se o primeiro niilista de facto, intitulando-se o niilista-clássico, prevendo o desenvolvimento e discussão de seu legado. Este segundo sentido segue o mesmo rumo, mas propõe uma atitude mais activa: renegando os valores metafísicos, redireciona a sua força vital para a destruição da moral. No entanto, após essa destruição, tudo cai no vazio: a vida é desprovida de qualquer sentido, reina o absurdo e o niilista não pode ver outra alternativa senão esperar pela morte (ou provocá-la). No entanto, esse final não é, para Nietzsche, o fim último do niilismo: no momento em que o homem nega os valores de Deus, deve aprender a ver-se como criador de valores e no momento em que entende que não há nada de eterno após a vida, deve aprender a ver a vida como um eterno retorno: sem isto, o niilismo será sempre um ciclo incompleto...